Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, janeiro 23, 2016
No âmbito de um estudo que está a ser realizado na
América do Norte, desde há 75 anos, começou em 1938, de forma ininterrupt a, a dois grupos de pessoas escolhidas em jovens e
pertencentes a estratos sociais opostos, um rico e outro pobre, as conclusões à
partida, ao longo e à chegada ao fim das suas vidas, são as mesmas.
Os objectivos desse estudo, o mais prolongado que já
foi efectuado, é perceber, na realidade, o que é mais decisivo para as pessoas
se sentirem felizes ou, mais prosaicamente o que torna uma vida boa,
estudando-os desde a infância à velhice.
Os dois grupos, num total, hoje, de 724 homens, ainda
vivos e já com mais de 90 anos, à partida, eram diferentes: um deles estava a
entrar para a faculdade, o outro vivia em bairros marginais sem água, quente ou
fria, nas suas casas.
Independentemente destas profundas diferenças na
origem, ambos os grupos manifestaram desejos iguais quanto ao que iria ser
importante para as suas vidas: 80%, dinheiro, 50%, sucesso, fama e, finalmente,
trabalho, muito trabalho.
Todos, ao longo da vida, foram respondendo a
questionários que periodicamente lhes eram enviados pelos responsáveis do
estudo, sobre a sua vida doméstica, saúde e trabalho.
Os que pertenciam ao grupo social mais rico entraram
para o estudo quando se encontravam na Universidade de Harvard e todos eles
terminaram os seus cursos e participaram na 2ª Grande Guerra Mundial.
Os que pertenciam ao grupo mais pobre, provenientes de
famílias problemáticas de Boston, nos anos 30, entraram em todo o tipo de
vidas, operários, dos mais variados ramos, engenheiros, advogados e um deles
Presidente da República.
Uns, deram em alcoólicos, outros em esqui zofrénicos, alguns subiram a vida até ao topo, outros
fizeram-no em sentido inverso.
Os do grupo de Boston, quando foram contactados para
receberem mais questionários, alguns deles perguntaram porque queriam saber
mais das suas vidas se elas não tinham
interesse?
Nenhuma pessoa do grupo dos de Harvard fez essa
pergunta...
Quais foram então as lições retiradas em milhares de
páginas de informações recolhidas?
- Não foram sobre dinheiro, nem fama ou sucesso, mas
sim sobre as boas relações,
relativamente às quais foram obtidas três lições:
- As relações sociais são boas para nós. Quanto mais
forem essas ligações, com a família, amigos e a comunidade, melhor é a vida,
mais feliz e prolongada.
- A solidão
mata, é tóxica, faz mal ao corpo, ao espírito, à memória e encurta a vida;
- Não basta o
número de amigos que temos é preciso olhar à sua qualidade, especialmente nas
relações íntimas. Os conflitos dentro do casamento são mais prejudiciais do que
o divórcio.
Viver no meio de relações boas e calorosas é protector.
O grau de satisfação dessas relações é fundamental,
mais do que o colestrol, para definir a qualidade de vida.
A confiança recíproca em outra pessoa, sabermos que
podemos contar com ela e sermos capazes de retribuir essa confiança, revela-se
o factor chave.
Mark Twain, quando há cem anos fazia a retrospectiva
da sua vida dizia:
- Não há tempo, tão
breve é a vida, para discussões, amarguras, desculpas, prestação de contas. Só
há tempo para amar e mesmo para isso é só um instante.
Conseguirá, Tieta, a electricidade? |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº60
DOS ALEGRES DIAS QUASE INTERTENIMENTO LIVRES DE
PREOCUPAÇÃO
O programa de festejos continua e se intensifica. Dias alegres,
despreocupados, felizes, dias de passeio, de prosa e rede, no trino dos
passarinhos a infinita paz.
Na rede pendurada na varanda, ouvindo o gorjeio do pássaro sofrê,
Leonora Cantarelli pergunta-se como a vida pode ser tão maravilhosa.
Ascânio
passa por um momento, para desejar bom-dia, a caminho da Prefeitura. Na cidade,
conta ele, fervem as discussões sobre o problema da electricidade: Tieta
obterá, através das suas relações paulistas, mandões da política, a instalação
dos postos da Hidrolétrica?
Uns dizem que sim, outros que não, os últimos em maioria. Ninguém
duvida da riqueza, da importância social da viúva do Comendador Cantarelli, mas
daí a mover graúdos da estirpe de governador e senadores vai distância.
De
qualquer maneira, bom assunto para as conversas para os debates, para matar o
tempo longo, as lentas horas arrastadas. Ditosas ao ver de Leonora.
Após cumprimentar as senhoras e comentar a polémica da luz eléctrica,
Ascânio dirige-se ao trabalho. O rosto esfogueado, a loira cabeleira, o riso de
cristal, finíssimo bacará aos ouvidos do rapaz, Leonora acena adeus da porta de
casa.
Adeus? Até logo, até daqui a
pouco, pois ele passará de novo, meio sem jeito, com receio de parecer
importuno. Mas se demora a chegar, Leonora reclama, a fala doce queixume:
- Demorou, por quê?
- Medo de ser chato.
- Se repetir isso me zango.
Sempre com numerosa e alegre comitiva, subiram e desceram o rio na
canoa a motor do Comandante, lerda e segura, na lancha de Elieser, no bote
veloz de Pirica.
No sábado finalmente irão a Mangue Seco, Tieta e Leonora serão
hóspedes de dona Laura e do Comandante Dário. O Secretário da Prefeitura,
restabelecido, pelo menos em aparência, da decepção da viagem a Paulo Afonso,
anuncia à bela Leonora Cantarelli:
- Já tomei as necessárias providências burocráticas para encomendar um
luar deslumbrante para você. Sabe que noite de lua cheia em mangue Seco é a coisa
mais linda deste mundo?
- Tem de ser um luar daqueles senão não aceito.
- Deixe comigo, sou chapa de São Jorge.
Um luar para namorados, gostaria ela de dizer mas se contém, tudo é tão
novo e inesperado, um sonho antigo fazendo-se de súbito realidade.
Tarde
demais. Também Ascânio gostaria de dizer: encomendei um luar de namorados, onde
a coragem? Pobre, reles funcionário municipal como elevar os olhos para a
herdeira milionária?
Nem em sonhos.
Ainda assim, pensa Leonora, pensa Ascânio, são dias plenos,
venturosos, benditos. O melhor é não pensar.
No meio da semana, jantaram em casa de dona Milú. Dona Carmosina
anunciara espantoso cardápio, um despotismo de pratos, todos eles da mais alta
qualidade, para regalar o mais fino paladar sulista. Da maioria desses qui tutes, Leonora nunca ouvira falar.
Na sala repleta de bibelôs, recordações de um tempo de abastança –
abastança dos Sluizer consumida pelo finado Juvenal Conceição, amigo do bom e
do melhor, restaram apenas os bibelôs e o tenaz amor à vida da mãe e da filha –
Leonora se informa com Ascânio:
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 161
Ao ouvi-lo o Rato murmurou, olhando para
Ramiro:
-
Este é como vós. Mal chegam começam logo a acusar-nos!
Indignado, Martinho enfrentou-o e
vociferou.
-
Deus não admite esses pecados! Sois um uranista! Ides arder nos infernos!
O Rato riu-se com desdém e ripostou:
-
Deus também não admite que os bispos forniquem, e como sabeis, eles parecem
coelhos!
O Ameixa e o Velho riram-se, bem como o
Santinho, o Peida Gorda e mais dois cavaleiros que se tinham, entretanto
aproximado.
Martinho compreendeu de imediato que seria
impossível aqueles homens levarem em conta as suas palavras. Eram demasiado
rudes para mudar.
Except o
Ramiro que ainda podia ser salvo.
-
Sois o novo chefe, espero que compreendais as vossas obrigações para com Deus e
para com os homens! – disse-lhe.
Para o acalmar, Ramiro afirmou:
-
Estai descansado, padre Martinho. Tomarei providências.
Anos depois, o Rato contou-me que naqueles
dias já andava irritado com Ramiro. Considerava-o um sonso e chamava-o de
“lindinho”, pois tinha a certeza que ele tinha desejos semelhantes aos dele
embora ainda escondidos.
Talvez o Rato tivesse razão. Seja como
for, nessa tarde o mais importante que se passou foi algo que não foi dito.
Gondomar sabia que fora Paio Soares a
esconder a relíqui a com o conde, mas
nunca o contou a Ramiro nem ao pároco Martinho de Soure. Se o houvesse feito,
talvez ambos se tivessem empenhado mais em procurar a bruxa.
Se há coisa que continuo a encontrar nesta
minha investigação é a permanente facilidade com que tudo podia ser descoberto
e não foi.
As pessoas não falavam umas com as outras
e o segredo ia sobrevoando todas elas, sem nunca se desvendar.
Coimbra, Julho de 1127
Há sempre um dia em que a vida das pessoas
se pode complicar e tornar perigosa. Como me disse Zaida, com sua mãe Zulmira
esse momento aconteceu quando ela ouviu Sanchinha de Trava a choramingar no
berço, ao passar à porta do quarto da rainha.
Olhou lá para dentro e não viu ninguém,
nem sequer a ama que ali costumava estar sentada. A bébé pareceu senti-la
aumentando o choro e ela comoveu-se.
Entrou, pegou na criança ao colo e tentou
acalmá-la. Estava com gases, mexia muito as pernas e Zulmira virou-a de barriga
para baixo e pousou-a no ombro direito, para que a pressão dos seus ossos
aliviasse a menina.
Dona Teresa ao entrar no quarto pouco
depois, pareceu atingida por um raio ao ver Zulmira com a filha naquela posição.
-
Vós! Eu conheço-vos de Toledo!
A rainha tivera uma visão do passado,
lembrara-se do seu irmão Sancho, em criança, e de uma mulher que também o
pegava assim.
Poisai a minha filha no berço! – gritou.
sexta-feira, janeiro 22, 2016
A festa das campanhas eleitorais |
Eleitoral
Foi com profunda e sentida alegria que recebi na cidade da Beira, em Moçambique, a meio da manhã de 25 de Abril de 74, a notícia da Revolução dos Cravos.
É verdade que fui apanhado em Moçambique e acreditei, inicialmente, na possibilidade de ali poder continuar a trabalhar, pelo menos numa fase de transição, mas não foi possível e a minha vida sofreu uma cambalhota daquelas que nos deixam de pernas para o ar.
A vida não é um negócio permanente e nem sempre as vicissitudes do que acontece na sociedade em que vivemos nos favorecem, independentemente de qualquer juízo de ser bom ou mau, justo ou injusto.
A minha vida recompôs-se e as duas comunidades, portuguesa e moçambicana, seguiram os seus destinos, cada uma por si, mas os laços entre elas foram-se esbatendo com os anos à medida que as pessoas, sujeitas à lei da morte, deixaram para trás as suas experiências de vida em África contadas em histórias aos filhos e a netos.
Entre nós, depois do ambiente sórdido dos polícias da Pide, do regime de Salazar e Caetano, a democracia veio para ficar e agora, de tantos em tantos anos, fazemos campanhas eleitorais para eleger os nossos governantes e presidentes em eleições livres e democráticas.
Hoje, acaba uma dessas campanhas, chatas, chatas, que se prolongam por demasiado tempo, e que transformam o país numa espécie de feira ambulante em que cada candidato se afadiga a "vender" o seu produto que, no caso concreto, é ele próprio.
E há altifantes, bandeiras, slogans, beijos e abraços e os inevitáveis pedidos do "vote em mim"... uma festa!
Marcelo Rebelo de Sousa prepara-se para ser o próximo Presidente da República... com toda a naturalidade.
Visita da casa dos portugueses, há muitos anos, todos os Domingos, primeiro na SIC e depois na TVI, limitou-se a passear, sozinho, pelo país em demonstrações de afecto, espontâneas numa convivência agradável e quase desejável pela maioria das pessoas, que o acolheram com a amizade que se dedica a um velho amigo.
O conhecimento de longa data porém, não é tudo. Seria injusto retirar a Marcelo o imenso mérito que lhe cabe pela simpatia e poder de comunicabilidade desenvolvido durante uma vida de professor e académico.
Como já aqui disse, vou votar em Sampaio da Nóvoa mas aceitarei Marcelo com toda a tranquilidade de espírito.
Ele irá, com certeza, ajudar-me a esquecer rapidamente o "sonso", o "erro de casting" que lá temos há dez anos, em alguns momentos para nossa vergonha.
Viviane - Do Chiado até ao Cais
A Viviane mostra-vos a minha cidade como eu a recordo dos anos sessenta.
Baixa o penhoir, exibe as costas nuas.... |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 59
DA MASSAGEM COM ORAÇÃO
Ricardo mergulha, foge nas águas do rio. Mergulha nas folhas do livro,
na hora da banca, após o passeio, o bate-bola, a pesca, o banho antes do
almoço, diariamente.
De volta do banheiro, pingando água, a tia senta-se diante
do espelho, afrouxa o penhoar, toma dos tubos de creme, dos potes, dos frascos.
O perfume flutua, estende-se, invade as narinas do rapaz.
Do sobrinho mais velho, atencioso e recatado. Sempre às ordens da tia e
da prima – não esqueça que Leonora é sua prima, recorda-lhe Perpétua – mas não
a segui-las, brechando contornos e profundezas, o olho vicioso como o menor. Ao
contrário a afastar a vista, a desviá-la para o outro lado quando um seio
aflora ou uma sombra se ilumina sob robes e shortes.
Mergulha nos livros, foge nos teoremas de álgebra, abstractos.
Necessita manter-se atento, não se deixar distrair, os olhos rumam para o
quarto onde a tia, porta aberta e nenhum cuidado, se embeleza.
Cometerá pecado
mortal, com certeza absoluta se espiar a tia. Mas quando acontece ver por
acaso, sem querer? Por mais que faça, impossível não enxergar tão expostos atributos.
Pior que ver é pensar. Não olhara quando Peto chamara a tenção para os
pelos da tia, atirou-se ao rio. Mas, mesmo dentro de água, nadando sem espiar,
ele os imaginara. De olhos fechados ou abertos, queira ou não, pensa, imagina.
A gente imagina sem querer, mesmo não querendo, é a maneira de Deus
provar a fé, o zelo dos eleitos. É preciso controlar-se; vencer os maus
pensamentos.
E os sonhos? Os sonhos, a gente não controla. Cosme, um asceta, o
pusera em guarda contra os sonhos, neles o demónio tenta os homens, nem os
anacoretas escaparam.
Dormindo, a gente pode pecar e se condenar. Cosme,
aconselha espalhar grãos de milho ou de feijão sobre o lençol, deitar em cima,
castigando a carne. Na rede, impossível.
Da rede, no escuro, ouve e percebe a tia na toalete nocturna, retirando
a maqui agem. Fechar a porta não
resolve, ao contrário.
De porta aberta fica reduzido a pequenos ruídos de potes
e frascos, a limitadas amostras, vislumbres de carnação surgindo do robe. Mas
para a imaginação não há limites, quando fecha a porta o robe se abre inteiro e
é tão curta a camisola! Só as orações desviam a vista e o pensamento.
De qualquer maneira, de noite ou de dia, é árduo o combate com o
demónio, só a ajuda de Deus permite a vitória. Na banca, antes do almoço, tenta
absorver-se no estudo da matemática ou da história, enquanto, no quarto em
frente, a tia se pinta e se perfuma.
Os teoremas de álgebra, os navegadores
portugueses. Impossível concentrar-se, o perfume acalentou o seu sono no
seminário, aqui o entontece.
- Cardo!
- Diga, tia.
- Estás ocupado?
- Estou estudando, é hora da banca. Mas, se qui ser
alguma coisa…
- Quero sim. Venha cá.
Ricardo deixa o livro, entra no quarto.
- Passe creme nos meus ombros, faça uma massagem. Abra a mão. – Espreme
a bisnaga, põe-lhe no côncavo da mão o creme oloroso. – Vá, espalhe primeiro,
depois amasse com a mão e os dedos.
Baixa o penhoar, exibe as espáduas nuas; com a mão fecha-o sobre os
seios, fica composta, ainda bem. Curva-se para facilitar a tarefa do sobrinho.
Ricardo espalha o creme e começa, desajeitado, a esfregar-lhe os ombros.
- Nas costas, filho.
Esse não tem malícia, se fosse o pequeno estaria tentando ver a curva
do busto sob as rendas. O rapaz sente o cheiro doce do creme, a maciez da pele.
Não pode entupir o nariz nem retirar as mãos. Sente sem querer sentir. O
demónio o possui pelos dedos e pelas ventas.
Que fazer Senhor? Orar, pois a
oração é a arma que Deus entregou aos homens para vencer as tentações, derrotar
o inimigo. Padre-Nosso que estais no céu…
- Força, meu bem.
Curva-se ainda mais Antonieta, a mão já não prende o robe. Ricardo
desvia a mirada pois o seio, solto, surge inteiro, moreno, volumoso. Onde parou
na oração? Não nos deixeis cair na tentação…
- Chega, meu filho, muito obrigado.
Ao agradecer volta-se com um sorriso, surpreende o sobrinho a mover os
lábios.
- Que é que você está fazendo? Rezando?
Espoca em riso, Ricardo encabula, vermelho, escabreado.
- Tem medo de mim? Não sou diabo, não.
- Oh!, tia.
- Nem fazer massagem no cangote da tia é pecado.
- Não pensei nada disso. Tenho o costume de rezar enquanto faço algum
trabalho manual – mente ainda por cima.
- Então me dê um beijo e vá estudar.
Beijo do pequeno não seria esse distante roçar de lábios na face. Peto
é um perigo. Aos doze anos nem Tieta possuía igual.
Uma mulher ouve a campainha da sua casa tocar e ao abrir a porta dá de cara com um homem que lhe pergunta:
- A senhora tem vagina?
Assustada e indignada ela bate-lhe a porta na cara.
Na manhã seguinte, tocam a campainha, é o mesmo homem que lhe faz a mesma pergunta.
Ela furiosa bate-lhe a porta na cara novamente.
No terceiro dia repete-se a mesma cena.
Quando o marido volta do trabalho à noite, ela enfim lhe conta o acontecido.
Sentindo-se ultrajado ele combina com ela:
- Amor, amanhã não vou trabalhar, se esse cretino aparecer, me escondo, você atende, eu então apareço e encho o sujeito de porrada!.
Na manhã seguinte, tocam a campainha e o marido, antes de se esconder, diz para a mulher:
- Se for o mesmo homem, diga-lhe que sim, para sabermos o que ele vai dizer.
Ela atende, e o homem está lá de novo com a mesma pergunta:
- A senhora tem vagina?
Ela responde:
-Tenho.
- Ah..., óptimo! Então me faça a gentileza de pedir ao seu marido que pare de usar a da minha mulher e passe a usar a sua.
Bom dia e muito obrigado pela sua atenção! Até logo.
Com classe é outra coisa...
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 160
- Meu Deus, são pecados
graves! Temos de avisar o Ramiro para pôr termo a isso! Ajuda-o Martinho,
acredito que o farás bem.
Terminado este desagradável
colóqui o, Ramiro foi chamado e
Gondomar revelou-lhe que o escolhera para liderar a Ordem na sua ausência.
Ele agradeceu o gesto e
naturalmente aceitou, pois sabia que não havia entre os homens outro com mais
capacidades.
Gondomar avisou-o de que
poderia estar fora um ano, não regressaria no inverno, pois a sua saúde não lhe
permitiria viajar, e esperava que Ramiro defendesse Soure dos sarracenos, caso
a voltassem a atacar.
- Assim farei, prometeu o
rapaz.
Recebidas as principais
instruções, Ramiro tomou a iniciativa de revelar a Gondomar o seu encontro com
a velha mulher de negro, à porta de uma caverna, e a pergunta que ela lançara,
s o mestre «já tinha encontrado a relíqui a».
O velho cavaleiro olhou-o
com espanto:
- Ela disse mais alguma coisa?
- A mulher falara em «outros que ainda
poderiam vir» e dissera que o mestre «não sabe para onde tem de olhar».
Também me avisou que os
sarracenos estavam a chegar, o que se verificou ser verdade – acrescentou
Ramiro.
Martinho, que parecia
fascinado com o que ouvia, perguntou:
- Era uma bruxa?
Ramiro contou que ela se
vestia de preto, era velha e previa o futuro, além de conhecer muitas histórias
do passado, coisa que o almocreve Mem também confirmara.
Intrigado, Gondomar
interrogou-o.
- Nunca mais a haveis visto?
O filho de Paio Soares disse
que passara várias vezes pela entrada da caverna, que parecia abandonada, e
acrescentou que a bruxa sabia também das mouras prisioneiras em Coimbra, e do assassin que as tentara matar.
Gondomar manteve-se algum
tempo pensativo, e depois murmurou, como se o destinatário da pergunta fosse
apenas o seu manto branco:
- Será que sabe onde a
esconderam?
Então ordenou a Ramiro que
encontrasse a bruxa. Quando voltasse de Cister iria falar com ela, mas agora
era tempo de partir, o almocreve Mem já tinha chegado!
Dirigiu-se á carroça e, como
no ano anterior, ambos seguiram na direcção de Coimbra.
Enquanto Ramiro e Martinho
viam o veículo do almocreve afastar-se, o Rato, o Velho e o Ameixa
aproximaram-se e o primeiro disse:
- Esperemos que os
sarracenos não voltem a atacar-nos, como da primeira vez que o mestre se foi
embora!
O seu tom de voz nasalado
irritou Martinho, que declarou a Ramiro:
- Temos de conversar sobre as casotas!
O outro perguntou o que de
mal se passava e o pároco e o pároco explicou-se:
- Deus não gosta de homens
que dormem uns com os outros. Uma coisa é partilhar o cavalo, outra é partilhar
o corpo!
quinta-feira, janeiro 21, 2016
Morre-se mais em Janeiro...
Um exemplo: em França, no ano de 2015, no mês de Janeiro, morreram mais
18% de pessoas do que na média dos restantes meses do ano.
Aqui , em
Portugal, começou Janeiro e logo duas pessoas notáveis do nossa vida política e
cultural faleceram: António de Almeida Santos e Nuno Teotónio Pereira, político
e arqui tecto de referência.
... Dir-se-à que estava na altura deles, mas porquê
logo em Janeiro?...
- Será do frio, da chuva, dos dias pequeninos e
ensombrados em que, na maioria dos casos, não se vê o nascer do sol?...
- Será porque ficaram cansados do esforço que fizeram
para chegarem ao fim do ano anterior e as reuniões de família próprias da época
assumiram o papel de despedidas?...
A partir de uma certa idade, quando aqui lo que havia para fazer já foi feito, o fio que
nos prende à vida se fragiliza e torna mais quebradiço, entramos naquela fase
em que viver um pouco mais depende de nós, mesmo que não tenhamos disso consciência.
Quando os vejo sentados nos bancos dos passeios ou jardins
olhando sem ver, será que estão perdidos em recordações?...
- Será que querem mesmo continuar a viver?
- O que os prende realmente à vida quando, no mês de
Janeiro, um ano acabou e outro infindável ano vai começar?...
- Será que o dia que se segue será suficientemente
motivador para continuar?...
Há quem morra passado pouco tempo de uma neta casar,
ou de nascer um bisneto... eles não sabiam mas estavam à espera como se fosse
uma meta... a espera alimentou-lhes a vida, deu-lhes a força e o querer.
Já poucas coisas têm a ver directamente com eles,
passa-se a viver de vagas sensações e a principal é que não se morre... a vida é
que se esgota... para além das saudades dos que vieram com eles e já se foram
embora.
E isso já nada tem a ver com o mês de Janeiro.
Tieta admira Ricardo |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº58
Ambas vestidas, despidas em sumários bi
Ricardo mergulha, nada para longe. Peto atira o anzol bem perto,
aproveita, os olhos vão e vêm. O melhor banho é à noite, sob o luar. Quando a
lua crescer, virão com Ascânio, já combinaram.
Tieta admira Ricardo, nadando em grandes braçadas, mergulhando,
atravessando o rio, um jovem atleta, moreno, musculoso.
Alguém se aproxima, vem
deitar-se perto, sobre as pedras: dona Edna, desejando bom dia. Acompanhada por
Terto, seu marido embora não pareça.
Ricardo vem vindo em direcção à enseada,
Tieta acompanha o olhar de dona Edna a envolver o rapaz, a cabra deve gostar de
meninos, ei-la mordendo o lábio inferior.
Não vê que ainda não está no ponto,
verde demais. Delambida, descarada. Ricardo se aproxima, sai da água, senta-se
nas pedras ao lado do irmão, sorri para a tia e para Leonora.
Atrevida, dona
Edna:
- Bom dia, Ricardo.
- Bom dia dona Edna, não tinha visto a senhora.
- Você nada bem.
- Eu? Peto nada muito melhor.
Também dona Edna baixou as alças do maiô e Ricardo desvia a vista
enquanto Peto confere e julga. Não há comparação possível, as tetas da tia e da
prima vencem facilmente e dão lambujem.
Tieta acompanha a cena, apoia-se no
cotovelo, deitada de lado. Casada e puta, dona Edna, e o marido, que mansidão
de corno! Zangada, Antonieta? Ficou puritana ou protege a integridade da família
e da Igreja? O sobrinho não chegou ao ponto, nem de vez está.
Peto, menino perdido, ousado, sem noção do respeito, toca o braço de
Ricardo, segreda:
- Os cabelos da tia estão saindo do biqui ni.
- Cabelos?
- Os de baixo, espie. Os pentelhos.
Ricardo não espia; severo, fita o irmão, olhar de censura e
advertência, atira-se no rio novamente. Peto nem liga: Cardo vive por fora, um
careta.
Enquanto passa creme nas costas da esposa – marido deve ter alguma
serventia – Terto dirige-se a Tieta:
- É verdade, dona Antonieta, que a senhora…
- Telegrafei, sim. E o senhor apostou? Achando que vai vir a luz ou
não?
- Eu não apostei, onde vou buscar dinheiro para apostas? Edna acha…
Antonieta não se interessa pela opinião de dona Edna. Vagabunda! Prende
o sutiã, durante a operação os seios aparecem duros, opulentos, não esses
molambos que dona Edna faz questão de exibir.
Põe-se de pé, de um salto
mergulha nas águas da Bacia de Catarina, em braçadas largas nada para o meio do
rio onde está Ricardo. Peto abandona vara e anzol, convida Leonora:
- Vamos?
Dona Edna mede o garoto, ainda não lhe acende o pito.
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 159
- Virá um pedreiro de
Coimbra para construir habitações dentro da muralha. Até lá usam as casotas. O
verão está a chegar, não terão frio! - exclamou Gondomar.
Partilhava o único quarto da
torre com Martinho e pensando que ele se incomodava por ir ter Ramiro por
companhia, acrescentou:
- Se desejares Ramiro pode continuar na sua
casota.
Ao ouvir isto, Martinho
parou de repente e olhou para Gondomar.
É isso que me incomoda, que
durmam todos lá fora!
Recomeçou a andar de um lado
para o outro e lamentou-se:
- Não me agrada tantos homens juntos. Porque
montam os cavalos dois a dois? É alguma regra da Ordem?
Gondomar pareceu surpreendido.
Há poucos cavalos, já na
Terra Santa era assim.
Chegado ao Condado
Portucalense, habituara os seus homens a uma vida severa, onde se partilhava a
comida, a casota, as armas, as
orações e também os cavalos.
Aqueles eram indivíduos
destinados à guerra e à devoção a Cristo, e não dispunham de riquezas nem as
desejavam.
- Porque vos incomodam tais
hábitos? – perguntou.
Martinho, sempre em
movimento, murmurou:
- Porque os mantêm demasiado próximos.
Notando que o outro
continuava sem o entender, exclamou:
- Mestre, temo que se o bispo de Coimbra ouvir
certas coisas, faça cair sobre a sua fúria!
Gondomar semicerrou os
olhos, intrigado.
- De que falais?
O pároco continuando o seu
passeio, disse:
- Mestre, bem sei que vossos
olhos já não são o que um dia foram e que vos recolheis cedo para descansar. Mas,
em poucas semanas, já me dei conta de que há comportamentos pouco dignos.
O velho cavaleiro Gondomar
espantou-se:
- Eles roubam? Escarnecem de Cristo? Não rezam
como devem?
Martinho abanou a cabeça.
- Rezam muito, comem pouco,
são bons trabalhadores, isso tudo é verdade. Mas, certas noites, já ouvi
barulhos pecadores entre eles.
Gondomar olhou-o, pasmado,
enquanto Martinho prosseguia:
- Bem sei que estão sós e que não existem
mulheres, por cá, mas...
Se o bispo sabe disto pode
fazer queixa da Ordem à rainha. Ou a Roma!
Estupefacto, o velho mestre
murmurou.
- Haveis visto práticas de
Sodoma?
Martinho suspirou:
- Ver, não vi, mas ouvi. Aquele
a quem chamam Rato tem vários que o procuram! Vão dar uma volta à floresta...
Alguns fazem-no mesmo ali nas casotas, ouvem-se os seus grunhidos porcos!
Abatido, o velho Gondomar,
sentou-se num banco. Aquela terrível suspeita pesava-lhe sobre os ombros.