Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sexta-feira, março 04, 2016
Hey Jude - Paul McCartney
Talvez a melhor canção que nos tenha sido presenteada por um grupo musical. Chega a ser comovente...
Sabe, meu caro Pedro, se me permite... |
A Morte da
Executiva...
Foi tudo
muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou,
cambaleou. Deu um gemido e apagou-se. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se
diante de um imenso Portal.
Ainda meio
tonta, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos
camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava a
acontecer, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar com urgência para o meu escritório, porque
tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida
para cá por engano, porque o meu seguro de saúde é Platina, e isto aqui está a parecer-me mais a urgência dum Hospital
público. Onde é que nós estamos?
- No céu.
- No céu?...
- É.
- O céu, CÉU....?! Aquele com querubins, anjinhos e coisas assim?
- Exacto! Aqui vivemos todos em
estado de graça permanente.
Apesar das óbvias evidências, ausência de poluição, toda a gente a sorrir,
ninguém a usar telemóvel, a executiva bem-sucedida levou tempo a admitir que havia
mesmo batido a bota.
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis
técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.
Porque, ponderou, dali a uma semana iria receber o bónus anual, além de estar
fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de
administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor a senhora conversar com Pedro, o coordenador..
- É?! E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
- Quem me chama?
A executiva bem-sucedida quase desabava da nuvem. À sua frente, imponente,
segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva tinha feito um curso intensivo de approach para
situações inesperadas e reagiu logo:
- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida
e...
- Executiva... Que palavra estranha. De que século veio?
- Do XXI. O distinto vai dizer-me que não conhece o termo 'executiva'?
- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima
autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas
técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático,
a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárqui ca, por assim dizer, celestial ali na
organização.
- Sabe, meu caro Pedro. Se me permite, gostaria de lhe fazer uma proposta.
Basta olhar para essa gente toda aí, só na palheta e andando a toa, para
perceber que aqui no Paraíso há
enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade
sistémica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque tenho PHD em reorganização. Por
exemplo, não vejo ninguém usando identificação. Como é que a gente sabe quem é
quem aqui , e quem faz o quê?
- Ah, não sabemos.
- Percebeu? Sem controlo, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o
tempo isto aqui vai acabar em anarqui a.
Mas podemos resolver isso num instante implementando um simples
programa de targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarqui zação
e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis
psicológicos não consigam resolver.
- !!!...???...!!!...???...!!!
- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as
estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage,
maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Accionista... Ele
existe, certo?
- Sobre todas as coisas.
- Ópt imo. O passo seguinte seria
partir para um downsizing progressivo, encontrar
sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir
o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos
alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo,
parece-me extremamente atractivo.
- Incrível!
- É óbvio que, para conseguir tudo isso, teremos de nomear um board de
altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de
salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias
da praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho a certeza de que
vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar
num Turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir para a implementação?
- Não. Significa que a senhora terá um futuro brilhante... se for trabalhar
com o nosso concorrente. Porque acaba de descrever, exactamente, como funciona
o Inferno...
Max Gehringer
Durma com ele, passei, namore, goze a vida... |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO
Nº 95
Tieta abandona os cremes de limpeza e o espelho, toma das
mãos da moça, acaricia-lhe a crina loura, nem às irmãs queria tanto quanto
àquela desditosa recolhida no trotoar, a pequena Nora, marcada pela má sorte e
todavia capaz de sonho e esperança.
- Eu sei que nunca vai contar, conheço minhas cabritas, ai de mim se
não as conhecesse. O que tu deve fazer? Aproveitar as férias, divertir-se.
Namore o rapaz, ele é simpático e bonitão, um pedaço de homem. Um pouco ingénuo
para o meu gosto mas direito. Durma com ele se tiver vontade. Tu deve estar
morta de vontade, não é?
Leonora abana a cabeça afirmativamente e logo esconde o rosto nas mãos,
Tieta vem sentar-se a seu lado na cama, prossegue:
- Durma com ele, passei, namore, goze a vida mas não se prenda. Tome
cuidado para evitar escândalo. Só não entendo por que você ainda não dormiu com
ele.
Ele pensa que sou virgem Mãezinha. Nunca vi ninguém tão crédulo e
respeitador. Não tenho palavras nem coragem para contar que não sou donzela.
Tenho medo que ele se desiluda, não queira mais me ver.
- É capaz. Agreste não é São Paulo, é o cu do mundo, parou no século
passado. Aqui , ou bem se é moça
cabeçuda ou rapariga de porta aberta. Não viu o que se passou comigo?
Pai me mandou embora, me mandou ser puta longe daqui .
Faz muito tempo mas continua sendo a mesma coisa hoje. Quem sabe, com jeito…
- Que jeito Mãezinha? Ele pensa que sou donzela, que sou rica, filha e
herdeira do Comendador Filipe. Fica inibido até para me pegar na mão porque ele
é um pobre de Jó e eu sou milionária.
Sabe que ele ainda nem se declarou?
Insinua umas coisas, suspira, parece que vai falar, engole em seco, fica
calado, segura em minha mão, não sai disso. Em Mangue Seco fui eu que
beijou ele. Fora daí, roça os lábios no meu rosto quando se despede e nada
mais.
- Eu vi, estava espiando, é de não acreditar. Coitado do rapaz, deve
estar desperdiçando o ordenado na casa de Zuleika para se desforrar, ou
gastando a mão se lhe faltar dinheiro – sorri para Leonora: Siga meu conselho,
deixe o barco correr, dê tempo ao tempo, vá se divertindo. Pelo menos assim
você não se chateia.
- Me chatear? Mãezinha vou-lhe dizer: esses dias aqui foram os únicos felizes da minha vida. Estou
amando. Pela primeira vez, Mãezinha. Com Pipo e Cid foi outra coisa, nem de
longe se parece. Já lhe contei, se lembra?
Diante da adolescente massacrada no sórdido cortiço, Pipo, com o nome
repetido nos rádios de pilha, a fotografia nos jornais, aparecia como a
personificação dos invencíveis heróis das histórias aos quadradinhos, dos
filmes de aventuras, das séries de televisão.
Ser sua garota causava inveja a
todas as demais chivetas da rua. Quando ele a chutou, sofrera principalmente na
vaidade. Vez por outra podemos dar uma metida, se qui ser,
dissera Pipo, cheio de si. Isso jamais. Não aceitara a humilhação,
pretendendo-se a única, a inspiradora dos golos marcados pelo craque nos
matches de futebol.
Chorara a semana inteira com a gozação da vizinhança mas dele mesmo não
sentia falta.
Quando no inferninho asqueroso onde caçava o michê que lhe garantisse a
comida do dia seguinte, encontrou Cid Raposeira na solidão, na droga, no
abandono, amarfanhado rosto de Cristo, tão necessitado de companhia e ajuda,
vibrara o coração de Leonora, sensível e solidário.
Iniciou-se o trajecto do
interminável desespero, alternando-se os raros dias de carinho e humildade, com
os de loucura e violência desatadas. Menos que companheira e amante, sentira-se
enfermeira, samaritana, irmã a cuidar de alguém ainda mais desgraçado do que
ela. Casal de párias perdidos na metrópole fechada em pedra e em fumaça, sem
condições de alegria e felicidade. Um e outro, o glorioso Pipo e o
contraditório Cid, nada tinham a ver com o renitente sonho de lar e paz, de
carinho, de amor.
- É amor, sabe, Mãezinha? Uma coisa diferente. Tudo o que eu queria era
ficar aqui , com ele, nunca ir
embora.
Comove-se Tieta, pobre Leonora, escorraçada cabrita. Afaga-lhe os
cabelos, belisca-lhe a face:
- Não é que eu seja contra, minha filha, é que não vejo jeito.
No jantar em casa de dona Milú, observando Leonora e Ascânio em idílio,
Tieta já se preocupara. Fosse simples aventura, beijos, apertos, umas quecas na
beira do rio, nos esconsos das rochas, nas areias cálidas de Mangue Seco, bons
lugares para descarregar a natureza, não teria maior importância, bastando
manter a descrição para evitar a língua do povo de Agreste longa e afiada.
Se
caísse na boca do povo, paciência. Nora partiria em breve para nunca mais
voltar, pouco interessava a imagem que dela guardassem aqueles tabacudos.
O agente da funerária atendeu o telefone:
- Bom dia, em que posso ser útil?
- É da funerária? Perguntou um homem do outro lado da linha.
- É sim, faça favor de dizer...
- A minha sogra faleceu.
- Meus sinceros pêsames, senhor - observou educadamente o agente.
- Que serviço prefere? Cremar, embalsamar ou simplesmente enterrar a senhora sua sogra?
- Vamos fazer as três coisas! É melhor não correr riscos!
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 205
O Trava revelou o seu desejo
de cercar a cidade. Ao mesmo tempo, enviaria Paio Soares ao encontro de Afonso
Henriques, para lhe sugerir uma paz apaziguadora entre mãe e filho.
Paio Soares estava perplexo
mas o colóqui o foi interrompido pela
entrada na sala de uma criada, esbaforida, dizendo que Dona Teresa se preparava
para dar à luz.
O Trava exclamou:
- Ei-lo que chega, o futuro rei da Galiza!
Correu atrás da criada,
dirigindo-se aos aposentos da rainha, deixando Paio Soares agitado. A seu lado,
Ramiro murmurou:
- Tudo faz sentido.
Nascendo o varão desejado
pelo Trava, o passo seguinte era a morte de Afonso Henriques, deduziu. Paio
Soares seria o executor da traição, do ardil enganoso, atraindo o príncipe para
fora do castelo de Guimarães, para os homens do Trava o poderem matar.
O Mordomo-Mor abanou a
cabeça incrédulo.
Chamoa várias vezes me
avisou das malévolas intenções do tio, mas nunca acreditei!
Desorientado perguntou a
Ramiro:
- E que faço eu? – Vou para Tui ter com
Chamoa? O meu segundo filho também acabou de nascer!
Antes que o templário lhe
pudesse dar a sua opinião, Fernão Peres de Trava regressou à sala e praguejou:
- Falso alarme, o parto ainda demora!
Paio Soares ainda tentou
sorrir dizendo que também tinha sido pai, uns dias antes, em Tui. Receoso ,
acrescentou:
- Gostava de lá ir ver Chamoa e o meu novo
menino. Juntava-me a vós em Guimarães.
Fernão Peres de Trava
mirou-o, desconfiado e Paio Soares sentiu um arrepiu quando aqueles olhos frios
encontraram os seus.
Tendes dúvidas, nobre Paio
Soares? – perguntou o Trava.
O Mordomo negou prontamente
qualquer hesitação e justificou-se com as saudades da esposa. Fernão Peres
sorriu-lhe e concordou:
- A minha sobrinha Chamoa é uma bela mulher!
Depois, o seu olhar
gelou-se.
- Mas nobre Paio, vossa
esposa tem quem a ajude.
Avançou até ao varandim de
onde se via a cidade, o horizonte e o Mondego, e olhando para a torre,
murmurou:
- Meu pai sempre disse que se deviam pendurar
os traidores no alto das torres, para todos virem o seu destino!
quinta-feira, março 03, 2016
ambiental
no seu melhor...
«Três montanhistas salvaram dois homens e um rapaz que se perderam na zona das Minas dos Carris, na Serra do Gerês. Esta foi a notícia a 9 de Janeiro. Agora, avança o Jornal de Notícias, os seis receberam notificações para pagar multa.
Em causa está o facto de todos eles terem sido detectados a passar por uma zona de protecção total sem autorização, escreve o JN.
Tanto os montanhistas resgatados como aqueles que os salvaram são convidados a pagar uma coima mínima de 200 euros e os custos do processo, no valor de 51 euros. Caso não efectuem o pagamento, escreve o jornal, o processo prossegue e o valor a pagar pode chegar aos dois mil euros.» [DN]
Parecer de O Jumento:
- Sem comentários a não ser que da próxima ficam a morrer até que um qualquer senhor burocrata do ambiente autorize o salvamento.
Nota
Desenvolve-se uma cultura de obediência cega ao Chefe que, em vez de incutir sensatez e inteligência na interpretação das normas aos seus funcionários, exige respeito e subordinação, exactamente a mesma que ele pratica com o Chefe dele...
Poderá sempre dizer que era aquilo que estava na lei... além de que os funcionários não foram admitidos para pensar mas apenas para fazerem o que se lhes manda ou o que está escrito e, com uma frágil segurança no emprego, o melhor é mesmo não arriscar...
Os montanhistas que salvaram as três pessoas que se perderam na serra, primeiro, pagam a multa e depois, se estiverem dispostas a isso, discutem com o juiz a justiça do pagamento da dita cuja... É ridículo e caricato que seja assim mas é o que é...
Este é o nosso funcionalismo público por dentro, que vem de longe, e não é fácil alterar. A maneira de pensar é uma herança do passado. As pessoas morrem e ele perdura pelas gerações seguintes... atenuado que seja pelo tempo.
Tombe La Nege - Salvatore Adamo
Nasceu em 1943. Ouvi-lo, é recordar a minha juventude. Fazia as minhas delicias, as minhas e não só...
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 94
CAPÍTULO ONDE TIETA BUSCA DEFINIR O AMOR E NÃO CONSEGUE
Tieta deixa os namorados na porta da rua, sozinhos, livres para a despedida. Da sombra do corredor, porém, espicha o olho para ver o que se passa, onde as mãos vão parar, a força dos beijos, os lábios vorazes, as línguas se enrolando, aqueles primeiros passos no caminho do resto.
Decepção completa e inqui etante. Viu apenas um roçar dos lábios de Ascânio
na face de Leonora, receoso e apressado, aqui lo
não era beijo coisíssima nenhuma, perdera o tempo a espionar o mais completo e
acabado par de idiotas.
Da porta, onde demora até perde-lo de vista, Leonora
acena longo adeus, certamente respondido por Ascânio. Mau sinal, não agrada a
Tieta o rumo do idílio.
Leonora não correrá perigo de maior se terminarem, ela e Ascânio, na Bacia de
Catarina, em noite sem lua, por entre a penedia, no bem-bom.
Depois, é lavar o
xibiu bem lavado, acabou-se. Quando chegar a hora do retorno a São Paulo,
derramará algumas lágrimas de tristeza e saudade no ônibus de volta – c’est
finie la comedie, como dizia Madame Georgette e Madame Antoinette repete quando
enfrenta xodós e rabichos das meninas.
O perigo reside exactamente nos leves beijos medrosos, nesse namoro tonto, de
caboclo, que já não se usa mais.
Em Agreste, quando se namora assim, no
respeito, contendo os impulsos, é porque se tem em mira noivado e casamento.
Casamento, vida em agreste: ilusões absurdas, sonhos delirantes. Em tais casos,
não basta lavar a xoxota bem lavada. A separação custa duro sofrimento, não se
reduz a umas poucas de lágrimas no ônibus de volta.
Naquele dia, quando Tieta chegara de Mangue Seco, estuante de vida, vibrando de
animação ao falar do terreno e da casa de praia, mais magra, o corpo no ponto
exacto, Leonora caíra-lhe nos braços, murmurando-lhe ao ouvido, ansiosa:
- Preciso muito de conversar com você, Mãezinha.
Durante o dia não tiveram ocasião, porém, de ficarem sós. Perpétua sempre
presente, a adular a irmã, já não lhe regateava louvores. Antigo poço de iniqui dades, Antonieta passara a ser poço de Jacó,
misericórdia dos sedentos, turris ebúrnea.
Para gabá-la gastava até as poucas
expressões latinas que decorara em tantos anos de sacristia, antes reservadas à
exaltação do Senhor e dos santos sendo, turris ebúrnea exclusiva de Virgem
Maria. Agora, tudo era pouco para as virtudes de Tieta.
Na hora do almoço, a mesa completa: Zé Esteves e Tonha, Elisa e Astério, Peto a
pedir a bênção à tia, a regalar os olhos da carnação morena e farta.
Fazendo-lhe companhia na praia, quem estava bem situado para brechar até
fartar-se, para bispar os mínimos detalhes, era Ricardo; mas o idiota do irmão
desviava a vista para não enxergar, tirado a ermitão, a místico.
Devia estar de venda nos olhosem Mangue
Seco , o bobalhão; Deus dá nozes a quem não tem dentes,
queixara-se Osnar. Falou, pô!
Devia estar de venda nos olhos
À tarde foram a casa de dona Zulmira para confirmar o acerto e de lá ao
cartório, deixar os dados para a escritura e marcar o dia de assiná-la – quanto
antes melhor, pedira Tieta, com pressa de voltar a Mangue Seco.
As paredes da
choupana – assim designava a pequena casa da praia – começavam a subir, ela
curtia cada tijolo, cada pá de massa, em companhia do sobrinho contagiado pelo
seu entusiasmo.
De noite a sala de visitas se enchera: dona Carmosina, dona
Milú, Barbozinha, a tropa do bilhar escoltando Astério; Ascânio tinha aparecido
ao fim da tarde, ficava para jantar, não desgrudava de Leonora.
Também dona Carmosina anunciara necessidade imperiosa e urgente de longa
conversa reservada com Tieta. Marcaram para o dia seguinte. Amanhã sem falta! –
recordara a agente dos Correios ao despedir-se – mil coisas a comentar.
Com os
olhos apontava o par de namorados no sofá, distanciados um do outro pelo menos
um palmo, a paulista com um sorriso babado de admiração, ouvindo o discurso de
Ascânio sobre o radioso futuro de Agreste.
Ascânio, o último a sair, quando já Perpétua se recolhera: às seis em ponto,
ajoelhada na primeira fila, a devota ouve missa na Matriz, não pode dormir
tarde. Tieta abandona-os na porta, à vontade para a despedida apaixonada. Que
fracasso!
Leonora vem sentar-se na cama da alcova, enquanto Tieta desfaz a maqui agem. Abre o coração: apaixonada, que fazer?
Paixão roxa, não banal aventura, simples chamego, ela não era disso, Mãezinha a
conhecia, nesses três anos de refúgio jamais tivera um caso. Amo, pela primeira
vez.
- Me diga como agir, Mãezinha. Contar a verdade, não posso.
- Não pode mesmo, nem pense nisso. Só se ficasse doida e me tivesse ódio.
- Nunca pensei, como poderia contar? Mas estou desarvorada sem saber o que
fazer. Me ajude nesse transe, Mãezinha. Só tenho você no mundo.
A Barbie Divorciada
Um pai sai do trabalho um pouco tarde e, já a caminho de casa, lembra-se que é o aniversário de sua filha. Como não tinha ainda comprado um presente, pára o carro junto a uma casa de brinquedos e pergunta à vendedora:
- O carro do Ken;
- A casa do Ken;
- A casa de praia do Ken;
- A lancha do Ken;
- Os móveis do Ken:
- O computador do Ken e
- Um AMIGO do Ken."
Um pai sai do trabalho um pouco tarde e, já a caminho de casa, lembra-se que é o aniversário de sua filha. Como não tinha ainda comprado um presente, pára o carro junto a uma casa de brinquedos e pergunta à vendedora:
- "Quanto custa a Barbie que está na vitrina"? - Com modos condescendentes, a vendedora responde:
- "Qual das Barbies? - É que temos:
- A Barbie que vai ao ginásio, por €19.95;
- A Barbie que joga volley, por €19.95;
- A Barbie que vai às compras, por €19.95;
- A Barbie que vai à praia, por €19.95;
- A Barbie que vai ao baile, por €19.95;
- A Barbie divorciada, por €265.95".
O homem, admirado, pergunta:
- "Eh! Por que razão a Barbie divorciada custa €265.95 enquanto as demais custam somente €19.95"?
A vendedora, com ar auto-suficiente, responde:
- "Senhor, é que a Barbie Divorciada vem com:
- O carro do Ken;
- A casa do Ken;
- A casa de praia do Ken;
- A lancha do Ken;
- Os móveis do Ken:
- O computador do Ken e
- Um AMIGO do Ken."
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 204
Ramiro pediu-lhe pela última
vez que lhe contasse o que se passara muitos anos antes em Coimbra, mas o pai
fez um gesto enfadado
- Vinde comigo – ordenou.
O jovem templário decidiu
acompanhá-lo, notando, surpreendido, que a sua natural má disposição não
reaparecera durante a sua conversa com o pai.
A fragilidade e a descrença
que habitavam a alma de Paio Soares tinham evaporado o seu ascendente antigo
sobre o filho.
Este seguiu-o até ao castelo
e, quando entraram na sala principal, Fernão Peres convidou-os a sentarem-se, e
contou que Dona Teresa começara com dores de parto um mês antes do previsto.
Foram as correrias a que
Afonso Henriques nos obrigou, está a tentar matar o irmão no ventre da mãe! –
exclamou o Trava.
Dona Teresa convencera-se de
novo de que ia ter um varão, pois a sua beleza não fora roubada pela criança.
Há notícias do Minho? -
perguntou Paio Soares.
O Trava torceu o nariz e
resmungou:
- Lanhoso também se rendeu ao príncipe.
Muitos dos nobres nem sequer
lutavam, baixavam as armas e mudavam de campo. Porém, indiferente a esses
contratempos, Fernão Peres entusiasmou-se:
- Logo que nasça o meu filho, avançamos sobre
Guimarães! Vamos cercar o lobo no seu covil, como fez Afonso VII.
Paio Soares perguntou quem
estava com eles e o Trava enumerou:
- O Bermudo, a quem nos juntaremos em Viseu, e
o Braganção que irá ter connosco a Guimarães.
O Mordomo-Mor espantou-se,
duvidava de que o esposo de Sancha Henriques fosse guerrear o príncipe.
E o filho bastardo de meu
pai, Peres Cativo, vem da Galiza com milhares de homens! – acrescentou Fernão
Peres.
A fama de guerreiro daquele
jovem galego era conhecida, mas também o era a aversão a Fernão Peres e a
admiração por Afonso Henriques.
- Tendes a certeza de que
Peres Cativo vos será Leal? – questionou o Mordomo-Mor.
Fernão Peres sorriu mas foi
um sorriso forçado e enervado.
Pais Soares, substimais-me.
O Trava levantou-se e deu
uns passos pela sala, enchendo o peito de ar, enquanto que explicava que os
rumores que corriam sobre a lealdade de Peres Cativo ou as hesitações de
Braganção haviam sido lançadas por ele, e eram obviamente falsas.
Assim, Afonso Henriques
convencia-se de que as suas forças eram superiores às da mãe, e seria
surpreendido em Guimarães!
quarta-feira, março 02, 2016
Eusébio e Ronaldo, dois génios do futebol. |
Ronaldo “endeusou”
“Se
todos estivessem ao meu nível seríamos primeiros” disse Cristiano
Ronaldo no fim do jogo em que o Real Madrid perdeu com o Atlético de Madrid por
1 a 0.
Esta é
uma “boca” à Jorge Jesus que só lhe fica mal, porque é desrespeitosa para com
os colegas de equipa. Tentou emendar, mais tarde, mas as palavras são como as
pedras, quando saem das mãos já ninguém as agarra...
Cristiano
veio da Madeira em pequeno, para a Academia do Sporting, viveiro de “craques”,
e como era muito miúdo chorava com saudades da mãe que, de resto, haveria de o
acompanhar, muito de perto, pela vida fora, depois da morte do pai.
O seu
percurso futebolístico colocam-no, a par de Eusébio, duas gerações antes, como
o desportista português de maior prestígio.
Eusébio,
era do tempo da televisão a preto e branco e as imagens dos jogos de Portugal
no Campeonato do Mundo de Futebol 1966, em Inglaterra, que fizeram parar o país
e comoveram os “corações mais empedernidos”, teriam, 50 anos mais tarde, feito
parar o mundo.
Cinquenta anos, no tempo, constitui uma grande diferença, pelo impacto mediático que tem hoje o espectáculo desportivo televisionado.
Cinquenta anos, no tempo, constitui uma grande diferença, pelo impacto mediático que tem hoje o espectáculo desportivo televisionado.
Eu
sei, porque também fui um desses “corações empedernidos” de 1966, e retenho na
memória, fresquinhas, as imagens de então..., que incluem lágrimas a escorrer
pelos rostos, numa esplanada na Nazaré, quando Eusébio conseguiu recuperar a
desvantagem que trazíamos do intervalo, no jogo com a Coreia.
Sem
dúvida, Eusébio é o único que se pode comparar a Ronaldo pela qualidade do seu
futebol e o impacto que teve no mundo por aquilo que foram os seus desempenhos
nesse Campeonato do Mundo e ao serviço da equipa do Benfica, na Liga dos
Campeões Europeus.
Ele e
Amália Rodrigues ajudaram a projectar Portugal no mundo e, talvez por isso,
Salazar, diz-se, nunca permitiu que ele saísse de Portugal.
Mas,
Eusébio, era um homem simples e modesto e mesmo sabendo, porque sabia, da sua
qualidade futebolística, melhor que a dos restantes colegas, nunca lhe passaria
pela cabeça afirmar que, se os seus colegas de equipa, tivessem o nível dele
seriam os primeiros.
Também
ele desembarcou no aeroporto de Lisboa, já homenzinho, mal sabendo articular o
português, tão diferente dos jovens emproados que hoje entram no país por
aquele mesmo espaço. Outros tempos...
Cristiano
e Ronaldo viveram as suas vidas de futebolistas de maneiras muito diferentes,
mas, mesmo descontando a época em que viveram, trata-se de pessoas de carácter
muito distinto.
Ronaldo
está inebriado pela sua carreira e riqueza a que acresce a vaidade e
narcisismo de que sempre foi vítima.
Eusébio, nunca foi rico, pelo contrário, e de vaidade nunca se ouviu falar.
Eusébio, nunca foi rico, pelo contrário, e de vaidade nunca se ouviu falar.
Gosto
do Ronaldo pelo seu profissionalismo, as suas qualidades de atleta, das
fantásticas cavalgadas com a bola, ou sem ela, em direcção à baliza do
adversário para rematar ou receber o passe, agora diz-se “assistência”, de um
colega.
Faz-me
lembrar o Eusébio, que era apontado pelos treinadores de futebol de então, aos
respectivos jogadores, como exemplo de como se devia transportar a bola,
correndo com ela junto aos pés... depois viria o Messi!
Ronaldo,
está na fase decrescente da sua carreira que é, sem dúvida, a pior para ter
este tipo de afirmações...
A sua
experiência, de mais de dez anos, nos píncaros do futebol mundial, aumentam-lhe a
responsabilidade.